O CÉU E O INFERNO
Paul Earnhart
Pr. José Antônio Corrêa
I. O CÉU: É
O LAR ONDE ESTÁ O PAI
Naquele trecho maravilhosamente
confortante em João 14.1-3, Jesus
tenta acalmar a angústia de seus discípulos que o anúncio de que ele iria aonde
eles não poderiam seguir havia causado (Jo
13.33-37). Suas advertências sobre traição os teriam mistificados e
confundidos, até magoados. Eles compreendem pouco do que ele está falando, mas
o que tem causado um estremecimento em suas almas é a notícia de que ele iria
aonde eles não poderiam ir. A ideia da perda de sua presença os amedrontavam e
os derrotavam.
Jesus garante aos discípulos que a sua
partida não é um abandono, mas sim por consideração a eles- para que ele
pudesse ir preparar um lugar para eles com o seu Pai. Eles estariam separados
por um tempo, disse ele, para então estarem juntos para sempre.
Alguns pensam que Jesus está falando
da igreja, da área de uma nova relação com Deus através da morte redentora do
Filho (1Tm 3.15; Hb 3.6). E a ideia
de que o lugar que Jesus promete preparar para os seus discípulos começa nesta
vida, não é sem mérito. No contexto desta mesma conversa Jesus mais tarde
disse: "Se alguém me ama, guardará a minha palavra; e meu Pai o amará, e
viremos para ele e faremos nele morada" (Jo 14.23). Mas a morada com que Jesus consola os seus discípulos em 14.1-3 pareceria necessariamente
incluir o transcendente e final. Como tem observado Leon Morris, "Muito
atraente é a sugestão de Milligan e Moulton, que 'a casa do meu Pai' inclui a
terra assim como o céu, de modo que onde quer que nos encontramos estamos
naquela casa. Mas por este ponto de vista não é fácil entender porque Jesus
deveria 'ir' a fim de nos preparar um lugar" (Evangelho de João, p. 638).
A questão sobre o céu que vem à tona
nesta experiência de Jesus com seus discípulos é que não é tanto um mero lugar,
quanto um relacionamento que tem alcançado na sua máxima intimidade e
proximidade, um lugar com Deus e o seu Filho. Como se tem apropriadamente
observado, "Não é no céu que encontramos Deus, mas em Deus que encontramos
o céu". Não é nos nossos arredores que o céu se encontra, mas em Deus. É
verdade que João nas suas visões vê uma cidade com ruas de ouro, paredes de
jaspe e portas de pérola (Apocalipse 21),
mas aquela cidade representa muito mais a glória do povo redimido de Deus do
que as circunstâncias em que eles deverão viver, e é afinal de contas apenas a
figura da verdadeira coisa (Ap 19.8, 2.2
e Hb 12.22-24).
É triste ver cristãos que pensam no
céu simplesmente como um lugar maravilhoso onde não haverá mais sofrimento,
mágoa ou morte. Tudo isso sobre o céu é verdadeiro, mas a estreitura do foco
nos faz lembrar-se de uma noiva que se gaba sem parar da mobília magnífica do
novo lar sem dizer nem uma palavra sobre o futuro marido. Aqueles que entre nós
foram casados por algum tempo qualquer sabem que o lar é onde está a amada, e
apenas esse fato ilumina qualquer lugar com alegria. Nunca se foi o lugar, mas
sim pessoas, que nos trazem contentamento e satisfação, e a última expressão
dessa verdade é que paraíso é estar onde Deus e Cristo estão. Eles são
totalmente suficientes para iluminar o lugar com glória (Ap 21.23).
Não é o objetivo de Deus que seu povo
deveria conhecer o amor ilimitado de Cristo e ficar tomado de toda a plenitude
de Deus? (Ef 3.19). E poderia estar
faltando qualquer coisa a esses que vivem na intimidade perfeita com aquele que
é "corporalmente, toda a plenitude da Divindade" (Cl 2.9-10), e a "plenitude daquele
que a tudo enche em todas as cousas" (Ef
1.23)? Nós talvez deveríamos passar mais tempo aprendendo sobre Jesus e
vivendo próximo a ele, do que contemplando todas as maravilhosas acomodações
celestiais. Eu tenho a distinta impressão de que Deus não estará convidando
pessoas totalmente desconhecidas para viverem com ele em sua casa. "Mas
qual espécie de corpo iremos possuir?" pergunta um, e "iremos
reconhecer um ao outro no céu?" indaga outro. Eu não estou condenando
curiosidade, mas aqueles que estão seriamente preocupados com tais coisas têm
falta de confiança no poder daquele "que é poderoso para fazer
infinitamente mais do que tudo quanto pedimos ou pensamos" (Ef 3.20). Por mim mesmo, estou
inteiramente satisfeito em deixar os planos e acomodações nas mãos de Deus.
Francamente, não estou tão certo de que iremos prestar qualquer atenção aonde é
que estamos pela alegria de estarmos com nosso Pai e o Filho que nos trouxe a
ele, sem mencionar todas aquelas pessoas maravilhosas que o têm amado da mesma
maneira que nós.
II. O INFERNO: O ÚLTIMO
VÁCUO
Sobre o inferno C. S. Lewis uma vez
escreveu: "Não há nenhuma doutrina que eu removeria de melhor grado do
cristianismo do que isto, se eu tivesse o poder. Mas essa doutrina tem o pleno
apoio das Escrituras, e sobretudo das próprias palavras do nosso Senhor."
Lewis não está sozinho no seu temor da
verdadeira ideia do inferno. É um assunto que pode causar um calafrio de horror
em qualquer coração. Mas a verdade é que o inferno não é um acréscimo
arbitrário. Ele é essencial ao céu e à própria existência de um Deus justo.
Não pode haver um paraíso sem um
inferno, não somente porque o evangelho fala de ambos, mas porque se não há um
inferno todos os caminhos conduzem ao mesmo local. E se todos os caminhos
conduzem ao mesmo local, não faz diferença qual caminho você toma, e bondade e
maldade cessam de existir. A presença de um Deus justo num tal mundo seria
inconcebível!
O inferno faz uma diferença infinita.
A altura da montanha é medida pela profundidade do vale. É o inferno que faz o
paraíso. A grandeza da salvação é vista em oposição ao horror da condenação. É
exatamente o inferno que tememos, que fala de um Deus moral, que rege num mundo
moral onde bondade e maldade diferenciam-se, ambos em caráter e em
consequência. O céu e o inferno não podem ser separados. Como Lewis também uma
vez observou, "Eu não tenho conhecido ninguém que houvesse completamente
descrito sobre o Inferno e que tivesse também uma convicção viva e vivificante
sobre o Céu". No evangelho de Cristo o conceito do inferno é inevitável.
A palavra grega traduzida por nossa
palavra inferno é gehenna. Ela é derivada do Vale de Hinom ao sudoeste de
Jerusalém, onde crianças eram sacrificadas nos fogos do deus Moloque durante o
reino dividido (2Cr 28.3; 33.6) e
foi por essa razão profanado por Josias a fim de terminar o costume (2RS 23.20). Jeremias o chamou de Vale
da Matança por causa dos cadáveres que em breve ali seriam amontoados pela
arremetida babilônica (Jr 7.32; 19.6).
O vale tornou-se uma metáfora para morte, corrupção e incêndio.
Há várias razões para acreditar na
existência do inferno, mas nenhuma tão convincente como a que Jesus mesmo
disse. Das onze vezes que gehenna aparece no Novo Testamento, todas, exceto
uma, vêm da boca do Senhor (Tg 3.6).
É Jesus que em todo o Novo Testamento pinta a figura mais gráfica do julgamento
dos condenados, advertindo aos seus ouvintes severamente de tal destino (Mt 5.22,29; 10.28; 23.15,33; Mc 9.45-48; Lc
12.5). Ele pinta o inferno como uma fornalha de fogo eterno e um processo
interminável de corrupção (Mt 25.41; Mc
9.48). São trevas enchidas de um choro angustiante, um lugar de castigo
eterno (Mt 8.12; 25.46).
Este fogo, estas trevas, devem ser
subentendidos literalmente? Talvez não, pois o diabo e os seus anjos que não
possuem corpos materiais deverão sofrer a mesma sorte. Mas não há qualquer
consolo nisso. Linguagem figurada é usada quando palavras comuns falham. A
realidade do inferno será muito pior do que as figuras sugerem. O inferno é o
lugar onde Deus não está, e poucos de nós têm seriamente contemplado como seria
a absoluta ausência de Deus.
O inferno, em última análise, não é
algo que Deus tenha acrescentado ao destino dos incrédulos, mas sim a
consequência natural das escolhas que eles têm feito. Há afinal somente duas
espécies de pessoas: aquelas que dizem a Deus, faça-se a tua vontade, e aquelas
a quem Deus diz, no final, faça-se a tua vontade. Todos os que irão para o
inferno ali estarão porque escolheram contra a vontade e a misericórdia de
Deus. E o que têm escolhido?
Eles têm escolhido afastar-se de Deus
e de todas as suas qualidades. Isso significa que desde que Deus como Criador
tem dado à vida o seu propósito e sentido, a vida no inferno será eternamente
sem sentido e inútil. Será uma terra cinzenta e desesperada, destruída de
esperança e sonhos.
E porque Deus é amor (1Jo 4.8), o inferno será um lugar onde
não haverá amor. Nele estará a miséria empilhada de todo o ódio, malícia,
inveja e ciúmes que jamais houve. Não haverá nenhuma compaixão, nenhuma
meiguice, nenhuma atenção, nenhuma preocupação desinteressada por outros;
somente o choro ininterrupto de egoísmo.
E porque Deus é luz (1Jo 1.5-6), o inferno será
verdadeiramente um lugar de "trevas" -- ininterruptas e absolutas.
Não trevas literais, físicas, mas as trevas da maldade, perversão e impiedade.
O inferno será um lugar do qual toda a bondade terá sido expurgada. E lá não
haverá, como aqui tem havido para os desobedientes e incrédulos, a luz
refletida da bondade e justiça de outros. Serão trevas totais!
E é assim, que os que vão ao inferno
terão recebido exatamente o que desejavam, que é ter posto Deus fora de suas
vidas. Não haverão mais apelos divinos para mudar de rumo, não mais apelos para
voltar à casa, somente o silêncio vazio de um mundo passado, negro e morto.