Adoniram Judson
(1788 - 1850)
Autoria Desconhecida
Pr. José
Antônio Corrêa
O
missionário, magro e enfraquecido pelos sofrimentos e privações, foi conduzido
entre os mais endurecidos criminosos, com gado, a chicotadas e sobre a areia
ardente, para a prisão. Sua esposa conseguiu entregar-lhe um travesseiro para
que pudesse dormir melhor no duro solo da prisão. Porém ele descansava ainda
melhor porque sabia que dentro do travesseiro que tinha abaixo da cabeça,
estava escondida a preciosa porção da Bíblia, que traduzira com grandes
esforços para língua do povo que o perseguia.
Aconteceu
que o carcereiro requisitou o travesseiro para o seu próprio uso! Que podia
fazer o pobre missionário para readquirir seu tesouro? A esposa então preparou,
com grandes sacrifícios, um travesseiro melhor e conseguiu trocá-lo com o do
carcereiro. Dessa forma a tradução da Bíblia foi conservada na prisão por quase
dois anos; a Bíblia inteira, depois de completada por ele, foi dada, pela
primeira vez, aos milhões de habitantes da Birmânia.
Em
toda a história, desde o tempo dos apóstolos, são poucos os nomes que nos
inspiram tanto a esforçarmo-nos pela obra missionário como os nomes desse
casal, Ana e Adoniram Judson. Em certa igreja em Malden, subúrbio de Boston,
encontra-se uma placa de mármore com a seguinte inscrição:
Memória
Rev.
Adoniram Judson
Nasceu:
9 - agosto - 1788
Morreu:
12 - abril - 1850
Lugar
de se nascimento: Malden
Lugar
de seu sepultamento: O mar
Seu
monumento: Os Salvos da Birmânia e a Bíblia Birmaneza
Seu
histórico: nas Alturas
Adoniram
fora uma criança precoce; sua mãe ensinou-o a ler um capítulo inteiro da
Bíblia, antes de ele completar quatro anos de idade.
Seu
pai inculcou-lhe o desejo ardente de, em tudo quanto fazia, aproximar-se sempre
da perfeição, sobrepondo-se a qualquer de seus companheiros. Esta foi a norma
de toda a sua vida.
O
tempo que passou nos estudos foram os anos em que o ateísmo, que teve sua
origem na França, se infiltrou no país. O gozo de seus pais, ao saberem que o
filho ganhara o primeiro lugar na sua classe, transformou-se em tristeza,
quando ele os informou de que não mais acreditava na existência de Deus. O
recém-diplomado sabia enfrentar os argumentos de seu pai, que era pastor instruído,
e jamais sofrera de tais dúvidas. Contudo, as lágrimas e admoestações de sua
mãe, depois de o moço sair da casa paterna, estavam sempre perante ele.
Não
muito depois de "ganhar o mundo", na casa dum tio, encontrou-se com
um jovem pregador. Este conversou com ele tão seriamente acerca da sua alma,
que Judson ficou muito impressionado. Passou o dia seguinte sozinho, em viagem
a cavalo. Ao anoitecer, chegou a um vila onde passou a noite numa pensão. No
quarto contíguo ao que ele ocupou, estava um moço moribundo, e Judson não
conseguiu reconciliar o sono durante a noite. - O moribundo seria crente?
Estaria preparado para morrer ? Talvez fosse "livre pensador", filho
de pais piedosos que oravam por ele! O que também o perturbava era a lembrança
dos seus companheiros, os alunos agnósticos do colégio de Providence. Como se
envergonharia, se os antigos colegas, especialmente o sagaz compadre Ernesto,
soubesse o que agora sentia em seu coração !
Ao
amanhecer o dia, disseram-lhe que o moço morrera. Em resposta à sua pergunta,
foi informado de que o falecido era um dos melhores alunos do colégio de
Providence, cujo nome era Ernesto !
Judson,
ao saber da morte de seu companheiro ateu, ficou estupefato. Sem saber como,
estava em viagem de volta a casa. Desde então desapareceram todas as suas
dúvidas acerca de Deus e da Bíblia. Soavam-lhe constantemente aos ouvidos as
palavras: "Morto!
Perdido! Perdido!"
Não
muito depois deste acontecimento, dedicou-se solenemente a Deus e começou a
pregar. Que a sua consagração era profunda e completa ficou provado pela
maneira como se aplicou à obra de Deus.
É
assim que Judson nos conta a sua chamada para o serviço missionário: "Foi quando andava num lugar solitário,
na floresta, meditando e orando sobre o assunto e quase resolvido a abandonar a
ideias, que me foi dada a ordem: 'Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a
toda a criatura'. Este assunto foi-me apresentado tão claramente e com tanta
força, que resolvi obedecer, apesar dos obstáculos que se apresentaram diante
de mim”.
Judson,
com quatro dos seus colegas, reuniram-se junto a um montão de feno, para orarem
e ali solenemente dedicarem, perante Deus, suas vidas para levar o Evangelho
"aos confins da
terra". Não havia qualquer junta de missões para os
enviar. Contudo, Deus honrou a dedicação dos moços, tocando nos corações dos
crentes, para suprirem o dinheiro.
Judson
foi chamado, então, a ocupar um lugar no corpo docente na universidade de
Brown, mas recusou o convite. Depois foi chamado a pastorear uma das maiores
igrejas da América do Norte. Este convite também foi rejeitado. Foi grande o
desapontamento do seu pai e o choro de sua mãe e irmã ao saberem que Judson se
oferecera para a obra de Deus no estrangeiro, onde nunca fora proclamado o
Evangelho.
A
esposa de Judson mostrou ainda mais heroísmo porque era a primeira mulher que
sairia dos Estados Unidos, como missionária. Com a idade de dezesseis anos,
teve a sua primeira experiência religiosa. Vivia tão entregue à vaidade que
seus conhecidos receavam o castigo repentino de Deus sobre ela. Então, em certo
domingo, enquanto se preparava para o culto, ficou profundamente comovida pelas
palavras: "Aquela
que vive nos prazeres, apesar de viver, está morta".
Acerca da sua vida transformada, escreveu-lhe ela mais tarde: "Eu desfrutava dia após dia, a doce
comunhão com o bendito Deus; no coração sentia o amor que me ligava aos crentes
de todas as denominações; achei as sagradas Escrituras doces ao paladar, senti
tão grande sede de conhecer as coisas religiosas que, frequentemente, passava
quase noites inteiras lendo a palavra de Deus". Todo o
ardor que mostrara na vida mundana agora o sentia na obra de Cristo. Por alguns
anos, antes de aceitar a chamada missionária, era professora e se esforçava em
ganhar os alunos para Cristo.
Adoniram,
depois de despedir-se de seus pais para iniciar sua viagem à Índia, foi
acompanhado até Boston por seu irmão, Elnatã, moço ainda não-salvo. No caminho,
os dois apearam dos seus cavalos, entraram na floresta e lá, de joelhos,
Adoniram rogou a Deus que salvasse seu irmão. Quatro dias depois, os dois se
separaram para não se verem mais nesse mundo. Alguns anos depois, porém,
Adoniram teve notícias de que seu irmão recebera também a herança do reino de
Deus.
Judson
e sua esposa embarcaram para a Índia em 1812, passando quatro meses a bordo do
navio. Aproveitando essa oportunidade para estudar, os dois chegaram a
compreender que o batismo bíblico é por imersão e não por aspersão, como a sua
denominação praticava. Não considerando a oposição de seus muitos conhecidos,
nem o seu sustento, não vacilaram em informar isso àqueles que os tinham
enviado. Foram batizados por imersão no porto de desembarque, Calcutá.
Expulsos
logo dessa cidade, por causa da situação política, fugiram de país em país. Por
fim, dezessete longos meses depois de partirem da América, chegaram a Rangum,
na Birmânia. Judson estava quase exausto por causa dos horrores que sofrera a
bordo da embarcação; sua esposa estava tão perto da morte que não mais podia
caminhar, sendo levada para terra em uma padiola.
O
império da Birmânia de então era o mais bárbaro, e de línguas e costumes mais
estranhos do que qualquer outro país que os Judson tinham visto. Ao
desembarcarem os dois, em respostas às orações feitas durante as longas
vigílias da noite, foram sustentados por uma fé invencível e pelo amor divino
que os levava a sacrificar tudo, para que a gloriosa luz do Evangelho raiasse
também nas almas dos habitantes desse país.
Agora,
um século depois, podemos ver como o Mestre dirigia seus servos, fechando as
portas, durante a prolongada viagem, para que não fossem aos lugares que
esperavam e desejavam ir. Hoje pode-se ver claramente que Rangum, o porto
principal da Birmânia, era justamente o ponto mais estratégico para iniciar a
ofensiva da Igreja de Cristo contra o paganismo no continente asiático.
No
difícil estudo do idioma birmanês foi necessário fazer o seu próprio dicionário
e gramática. Passaram-se cinco anos e meio antes de fazerem o primeiro culto
para o povo. No mesmo ano batizaram o primeiro convertido apesar de cientes da
ordem do rei de que ninguém podia mudar de crença sem ser condenado à morte.
Ao
sair da sua terra para ser missionário, Judson levava uma soma considerável de
dinheiro. Essa quantia ele a ganhara de seu emprego e parte recebeu-a de
ofertas de parentes e amigos. Não só colocou tudo isto aos pés dos que dirigiam
a obra missionária mas, também, a elevada quantia de cinco mil e duzentos
rúpias que o Governador Geral da Índia lhe pagara por seus serviços prestados
por ocasião do armistício de Yandabo.
Recusou
o emprego de intérprete do governo, com salário elevado, escolhendo antes
sofrer as maiores privações e o opróbrio, para ganhar as almas dos pobres
birmaneses para Cristo.
Durante
onze meses, esteve preso em Ava. (Ava era naquele tempo a capital da Birmânia).
Passou alguns dias, com mais sessenta outros sentenciados à morte, encerrado em
um edifício sem janelas, escuro e quente, abafado e imundo em extremo. Passava
o dia com os pés e mãos no tronco. Para passar a noite, o carcereiro
enfiava-lhe um bambu entre os pés acorrentados, juntando-o com outros
prisioneiros e, por meio de cordas, arribava-os para apenas os ombros
descansarem no chão. Além desse sofrimento, tinha de ouvir constantemente
gemidos misturados com o falar torpe dos mais endurecidos criminosos da
Birmânia. Vendo os outros prisioneiros arrastados para fora para morrer às mãos
do carrasco, Judson podia dizer: "Cada
dia morro". As cinco cadeias de ferro pesavam tanto, que
levou as marcas das algemas no corpo até a morte. Certamente ele não teria
resistido, se sua fiel esposa não tivesse conseguido permissão do carcereiro
para, no escuro da noite, levar-lhe comida e consolá-lo com palavras de
esperança.
Um
dia porém, ela não apareceu; essa ausência durou vinte longos dias. Ao
reaparecer, trazia nos braços uma criancinha recém-nascida.
Judson,
uma vez liberto da prisão, apressou-se o mais possível a chegar a casa, mas
tinha as pernas estropiadas pelo longo tempo que passara do cárcere. Fazia
muitos dias que não recebia notícias de sua querida Ana! - Ela ainda vivia? Por
fim, encontrou-a, ainda viva, mas com febre e próxima da morte.
Dessa
vez ela ainda se levantou, mas antes de completar 14 anos na Birmânia, faleceu.
Comove a alma ao ler a dedicação de Ana Judson ao marido, e a parte que
desempenhou na obra de Deus, e em casa até o dia da sua morte.
Alguns
meses depois da morte da esposa de Judson, a sua filha também morreu. Durante
os seis longos anos que se seguiram, ele trabalhou sozinho, casando-se, depois,
com a viúva de outro missionário. A nova esposa, gozando os frutos dos esforços
incessantes na Birmânia, mostrou-se tão dedicada ao marido como a primeira.
Judson
perseverou durante vinte anos para completar a maior obra que se podia fazer à
Birmânia, a tradução da Bíblia inteira na própria língua do povo.
Depois
de trabalhar constantemente no campo estrangeiro, durante trinta e dois anos,
para salvar a vida da esposa, embarcou com ela e três dos filhos, de volta à
América, sua terra natal. Porém, em vez de ela melhorar da doença que sofria,
como se esperava, morreu durante a viagem, sendo enterrada em Santa Helena,
onde o navio aportou.
-
Quem poderá descrever o que Judson sentiu ao desembarcar nos Estados Unidos,
quarenta e cinco dias depois da morte da sua querida esposa?! Ele, que estivera
ausente durante tantos anos da sua terra, sentia-se agora perturbado acerca da
hospedagem das cidades de seu país. Surpreendeu-se, depois de desembarcar, ao
verificar que todas as casas abriam para recebê-lo. Seu nome tornara-se
conhecido de todos. Grandes multidões afluíam para ouvi-lo pregar. Porém,
depois de passar trinta e dois anos ausente na Birmânia, naturalmente,
sentia-se como se estivesse entre estrangeiros, e não queria levantar-se diante
do público para falar na língua materna. Também sofria dos pulmões e era
necessário que outrem repetisse para o povo o que ele apenas podia dizer
balbuciando.
Conta-se
que, certo dia, num trem, entrou um vendedor de jornais. Judson aceitou um e,
distraído, começou a lê-lo; o passageiro ao lado chamou-o a atenção, dizendo
que o rapaz ainda esperava o níquel pelo jornal. Olhando para o vendedor, pediu
desculpas, pois pensara que oferecessem o jornal de graça, visto que ele estava
acostumado a distribuir muita literatura na Birmânia sem cobrar um centavo,
durante muitos anos.
Passara
apenas oito meses entre seus patrícios, quando se casou de novo e embarcou pela
segunda vez para a Birmânia. Continuou a sua obra naquele país, sem cansar, até
alcançar a idade de sessenta e um anos. Judson foi então, chamado a estar com
seu Mestre enquanto viajava longe da família. Conforme o seu desejo, foi
sepultado em alto mar.
Adoniram
Judson costumava passar muito tempo orando de madrugada e de noite. Diz-se que
gozava da mais íntima comunhão com Deus enquanto caminhava apressadamente. Os
filhos, ao ouvirem seus passos firmes e resolutos dentro do quarto, sabiam que
seu pai estava levando suas orações ao trono da graça. Seu conselho era: "Planeja os teus negócios se for
possível, para passares duas a três horas, todos os dias, não só em adoração a
Deus, mas orando em secreto".
Sua
esposa conta que, durante a sua última doença, antes de falecer, ela leu para
ele a notícia de certo jornal, acerca da conversão de alguns judeus na
Palestina, justamente onde Judson queria trabalhar antes de ir à Birmânia.
Esses Judeus, depois de lerem a história dos sofrimentos de Judson na prisão de
Ava, foram inspirados a pedir, também, um missionário e assim iniciou-se uma
grande obra entre eles.
Ao
ouvir isto, os olhos de Judson se encheram de lágrimas, tendo o semblante
solene e a glória dos céus estampada no rosto, tomou a mão de sua querida
esposa dizendo: "Querida,
isto me espanta. Não compreendo. Refiro-me à notícia que leste. Nunca orei
sinceramente por uma coisa sem a receber; recebia, apesar de demorada, de
alguma maneira, e talvez duma forma que não esperava, mas recebia. Contudo,
sobre este assunto eu tinha tão pouca fé! Que Deus me perdoe e, enquanto na sua
graça quiser me usar como seu instrumento, limpe toda a incredulidade de meu
coração".
Nessa
história, nota-se outro fato glorioso: Deus não só concede frutos pelos
esforços dos seus servos, mas, também, pelos seus sofrimentos. Por muitos anos,
até pouco antes da sua morte, Judson considerava os longos meses de horrores da
prisão em Ava, como inteiramente perdidos à obra missionária.
No
começo do trabalho na Birmânia, Judson concebeu a ideia de evangelizar, por
fim, todo o país. A sua maior esperança era ver durante a sua vida, uma igreja
de cem birmaneses salvos e a Bíblia impressa na língua desse país. No final da
sua vida, porém, havia sessenta e três igrejas e mais de sete mil batizados,
sendo os trabalhos dirigidos por cento e sessenta e três missionários, pastores
e auxiliares. As horas que passou diariamente suplicando ao Deus que dá mais do
que tudo quanto pedimos ou pensamos, não foram perdidas.
Durante
os últimos dias da sua vida fazia menção, muitas vezes, do amor de Cristo. Com
os olhos iluminados e as lágrimas correndo-lhe pelas faces, exclamava: "Oh! o amor de Cristo! O maravilhoso
amor de Cristo, a bendita a obra do amor de Cristo!" Certa
ocasião ele disse: "Tive
tais visões do amor condescendente de Cristo e da glória do Céu, que, creio,
quase nunca são concedidas aos homens. Oh! o amor de Cristo! É o mistério da
inspiração da vida e a fonte da felicidade nos céus. Oh! o amor de Jesus! Não o
podemos compreender agora, mas quão grande será em toda a eternidade"!
Acrescentamos
o último parágrafo da biografia de Adoniram Judson escrita por um dos seus filhos.
Quem pode lê-lo sem sentir o Espírito Santo o animar a tomar parte ativa e
definida em levar o Evangelho a um dos muitos lugares sem Cristo?
"Até aquele dia, quando todo o joelho
se dobrará perante o Senhor Jesus, os corações crentes serão movidos aos maiores
esforços, pela lembrança de Ana Judson, enterrada debaixo do hopiá (uma árvore)
na Birmânia; de Sara Judson, cujo corpo descansa na ilha pedregosa de Santa
Helena e de Adoniram Judson, sepultado nas águas do oceano Índico".