Davi Brainerd
(1718 - 1747)
Autoria Desconhecida
Pr. José
Antônio Corrêa
Certo jovem, franzino de corpo, mas tendo
na alma o fogo do amor aceso
por Deus, encontrou-se na floresta, para ele
desconhecida. Era tarde e o sol já
declinava até quase desaparecer no horizonte,
quando o viajante, enfadado da longa viagem,
avistou a fumaça das fogueiras dos índios
"peles-vermelhas". Depois de apear e
amarrar seu cavalo, deitou-se no chão para
passar a noite, agonizando em oração.
Sem
ele o saber, alguns dos silvícolas o
haviam seguido silenciosamente, como serpentes,
durante a tarde. Agora estacionavam atrás dos
troncos das árvores para contemplar a
cena misteriosa de um vulto de cara
pálida, sozinho, prostrado no chão, clamando a
Deus.
Os guerreiros da
vila resolveram matá-lo, sem demora, pois, diziam, os
brancos davam uma aguardente aos peles-vermelhas,
para, enquanto bêbados, levar-lhes as cestas e as
peles de animais, e roubar-lhes as terras.
Mas depois de cercarem furtivamente o
missionário, que orava, prostrado, e ouvirem como
clamava ao "Grande
Espírito", insistindo que lhes
salvasse a alma, eles partiram tão secretamente
como chegaram.
No dia seguinte, o moço, não sabendo o que
acontecera em redor, enquanto orava no ermo,
foi recebido na vila de uma maneira
não esperada. No espaço aberto entre as "wigwams"
(barracas de peles), os índios o cercaram e o
moço, com amor de Deus ardendo na alma, leu
o capítulo 53 de Isaías. Enquanto pregava, Deus
respondeu a sua oração da noite anterior
e os silvícolas ouviram o sermão, com
lágrimas nos olhos.
Esse cara-pálida chamava-se Davi Brainerd.
Nasceu em 20 de abril de 1718. Seu
pai faleceu quando Davi tinha 9 anos
de idade, e sua mãe, filha dum pregador,
faleceu quando ele tinha 14 anos.
Acerca de sua luta
com Deus, no tempo da sua conversão, na
idade de vinte anos, ele escreveu:
"Designei
um dia para jejuar e orar, e passei
esse dia clamando quase incessantemente a Deus,
pedindo misericórdia e que ele abrisse
meus olhos para a
enormidade do pecado e o caminho
para a vida em Jesus Cristo... Contudo,
continuei a confiar nas boas obras... Então,
uma noite andando na roça, foi me dado
uma visão da grandeza do meu pecado,
parecendo-me que a terra se abrira por
baixo dos meus pés para me sepultar
e que minha alma iria ao Inferno
antes de eu chegar em casa... Certo dia, estando
longe do colégio, no campo, sozinho em oração,
senti tanto gozo e doçura em Deus, que,
se eu devesse ficar neste mundo vil,
queria permanecer contemplando a glória de Deus.
Senti na alma um profundo amor ardente
para com todos os homens e anelava
que eles desfrutassem desse mesmo amor de
Deus".
"No mês
de agosto, depois, senti-me tão fraco e doente,
como resultado de aplicar-me demais aos
estudos, que o diretor do colégio me
aconselhou a voltar para casa. Estava tão
fraco que tive algumas hemorragias. Senti-me
perto da morte, mas Deus renovou em mim o
conhecimento e o gosto das coisas divinas. Anelava
tanto a presença de Deus e ficar livre
do pecado, que, ao melhorar, preferia
morrer a voltar ao colégio, e me afastar
de Deus... Oh! uma hora com Deus excede infinitamente
todos os prazeres do mundo".
De
fato, depois de voltar ao colégio,
Brainerd esfriou em espírito, mas o Grande Avivamento,
dessa época, alcançou a cidade de New
Haven, o colégio de Yale e o coração
de Davi Brainerd. Ele tinha o costume de
escrever diariamente uma relação dos
acontecimentos mais importantes da sua vida, passados
durante o dia. É por esses diários escritos
para si próprio e não para o mundo
ler, que sabemos da sua vida íntima
de profunda comunhão com Deus. Os seguintes
poucos trechos servem como amostras do
que ele escreveu em muitas páginas de seu
diário e descobrem algo de sua luta
com Deus, enquanto estudava para o ministério:
"Fui tomado
repentinamente pelo horror da minha
miséria. Então clamei a Deus, pedindo que
me purificasse da minha extrema imundícia.
Depois a oração se tornou mui preciosa
para mim. Ofereci-me alegremente para passar
os maiores sofrimentos pela causa de Cristo,
mesmo que fosse para ser desterrado
entre os pagãos, desde que pudesse ganhar
suas almas. Então Deus me deu o
espírito de lutar em oração pelo reino
de Cristo no mundo";
"Retirei-me cedo, de
manhã, para floresta, e foi-me concedido fervor
em rogar pelo avanço do reino de Cristo no
mundo. Ao meio-dia, ainda combatia em oração
a Deus, e sentia o poder do divino
amor na intercessão";
"Passei
o dia em jejum e oração, implorando
que Deus me preparasse para o ministério,
e me concedesse auxílio divino e direção,
e que ele me enviasse para a seara
no dia que Ele designasse. Pela manhã,
senti poder na intercessão pelas almas
imortais e pelo progresso do reino
do querido Senhor e Salvador no mundo... À
tarde, Deus estava comigo de verdade. Quão
bendita a sua companhia! Ele me concedeu agonizar
em oração até ficar com a roupa
encharcada de suor, apesar de eu me achar
na sombra, e de soprar um vento fresco.
Sentia a minha alma grandemente extenuada
pela condição do mundo: esforçava-me para arrebatar
multidões de almas. Sentia-me mais dilatado
pelos pecadores do que pelos filhos
de Deus, contudo anelava gastar minha vida
clamando por ambos";
"Passei
duas horas agonizando pelas almas imortais.
Apesar de ser ainda muito cedo, meu corpo
estava molhado de suor... Se eu tivesse
mil vidas, a minha alma as teria dado
pelo gozo de estar com Cristo...";
"Cheguei
a saber que as autoridades esperam a
oportunidade de me prender e encarcerar
por ter pregado em New Haven. Fiquei
mais sóbrio e abandonei toda a esperança
de travar amizade com o mundo. Retirei-me
para um lugar oculto na
floresta e coloquei o caso perante
Deus".
Completado os seu
estudos para o ministério, ele escreveu:
"Preguei
o sermão de despedida ontem, à noite. Hoje,
pela manhã orei em quase todos os
lugares por onde andei, e, depois de me
despedir dos meus amigos, iniciei a viagem para o habitat
dos índios".
Essas notas do diário revelam, em parte, a
sua luta com Deus enquanto estudava
para o ministério. Um dos maiores pregadores
atuais, referindo-se a esse diário, declarou: "Foi Brainerd que me
ensinou a jejuar e orar. Cheguei a
saber que se fazem maiores coisas por
meio de contato cotidiano com Deus
do que por pregações".
No início da história da vida
de Brainerd, já relatamos como Deus lhe
concedeu entrada entre os silvícolas violentos, em
resposta a uma noite de oração, prostrado em
terra, nas profundezas da floresta. Mas, apesar de
os índios lhe darem toda hospitalidade,
concedendo-lhe um lugar para dormir sobre
um pouco de palha e, ouvirem o sermão,
comovidos, Brainerd não estava satisfeito e
continuava a lutar em oração, como revela
seu diário:
"Continuo
a sentir-me angustiado. À tarde preguei ao
povo, mas fiquei mais desanimado acerca do
trabalho do que antes; receio que seja
impossível alcançar as almas. Retirei-me e
derramei a minha alma pedindo misericórdia,
mas sem sentir alívio ".
"Completo
vinte e cinco anos de idade hoje.
Dói-me a alma ao pensar que vivi tão
pouco tempo para a glória de Deus. Passei
o dia na floresta sozinho, derramando a
minha queixa perante o Senhor ".
"Cerca
das nove horas, saí para orar na mata.
Depois do meio-dia, percebi que os índios
estavam se preparando para uma festa
e uma dança... Em oração, senti o poder de
Deus e a minha alma estava extenuada
como nunca antes na minha vida. Senti
tanta agonia e insisti com tanta
veemência que, ao levantar-me, só consegui andar com
dificuldade. O suor corria-me pelo rosto e
pelo corpo. Reconheci que os pobres índios se
reunião para adorar demônios e não a
Deus; esse foi o motivo de eu clamar a
Deus, que se apressasse em frustrar
a reunião idólatra. Assim, passei a tarde orando
incessantemente, pedindo o auxílio divino para
que eu não confiasse em mim mesmo. O
que experimentei, enquanto orava, foi maravilhoso.
Parecia-me que não havia nada de
importância em mim, a não ser santidade
de coração e alma, e o anelo pela
conversão dos pagãos a Deus. Desapareceram
todos os cuidados, receios e anelos; todos juntos
pareciam-me de menor importância que
o sopro do vento. Anelava que Deus
adquirisse para si um nome entre os
pagãos e lhe fiz o meu apelo com
a maior ousadia, insistindo em que ele
reconhecesse que eu 'o preferia
à minha maior alegria' . De fato, não me
importava onde ou como morava, nem da
fadiga que tinha de suportar, se pudesse
ganhar almas para Cristo. Continuei assim toda
a tarde e toda a noite".
Assim
revestido, Brainerd, pela manhã, voltou da mata
para enfrentar os índios, certo de que
Deus estava com ele, como estivera com
Elias no monte Carmelo. Ao insistir com os
índios para que abandonassem a dança, eles, em
vez de matá-lo, desistiram da orgia e ouviram
a sua pregação, de manhã e à tarde.
Depois de sofrer como poucos sofrem,
depois de se esforçar de noite e de
dia, depois de passar horas inumeráveis em
jejum e oração, depois de pregar a
Palavra "a tempo e fora de tempo",
por fim, abriram-se os céus e caiu o
fogo. Os seguintes excertos do seu diário
descrevem algumas dessas experiências gloriosas:
"Passei
a maior parte do dia em oração,
pedindo que o Espírito fosse derramado
sobre o meu povo... Orei e louvei
com grande ousadia, sentindo grande peso pela
salvação das preciosas almas";
"Discursei à
multidão extemporaneamente sobre Isaías 53:10 'Todavia, o
Senhor agradou moê-lo'. Muitos dos ouvintes entre
a multidão de três a quatro mil, ficaram
comovidos a ponto de haver um 'grande pranto,
como o pranto de Hadadrimom' (ver Zacarias 12: 11)";
"De manhã,
discursei aos índios onde nos hospedamos. Muitos
ficaram comovidos e, ao falar-lhes acerca da
salvação da sua alma, as lágrimas correram
abundantemente e eles começaram a soluçar e
a gemer. À tarde, voltei ao lugar onde
lhes costumava pregar; eles ouviram com a maior
atenção quase até o fim. Nem a
décima parte dos ouvintes pode conter-se de
derramar lágrimas e clamar amargamente. Quanto
mais eu falava do amor e compaixão
de Deus, ao enviar seu Filho para sofrer
pelos pecados dos homens, tanto mais aumentava
a angústia dos ouvintes. Foi para mim uma
surpresa notar como seus corações pareciam
transpassados pelo terno e comovente convite
do Evangelho, antes de eu proferir uma
única palavra de terror";
"Preguei aos
índios sobre Isaías 53:3-10. Muito poder
acompanhava a Palavra e houve grande
convicção entre os ouvintes; contudo, não tão
geral como no dia anterior. Mas a maioria
ficou comovida e em grande angústia
de alma; alguns não podiam caminhar, nem ficar
em pé: caíam no chão como se
tivessem o coração transpassado e clamavam
sem cessar, pedindo misericórdia... Os que
vieram de lugares distantes foram levados logo
à convicção pelo Espírito de Deus";
"A
tarde, preguei sobre Lucas 15:16-23. Havia muita
convicção visível entre os ouvintes, enquanto eu
discursava; mas ao falar particularmente, depois, a alguns
que se mostravam comovidos, o poder de Deus
desceu sobre o auditório 'como um vento
veemente e impetuoso e varreu tudo
de uma maneira espetacular";
"Fiquei
em pé, admirado da influência que se
apoderou do auditório quase totalmente. Parecia, mais
que qualquer outra coisa, a força
irresistível de uma grande correnteza, ou dilúvio
crescente, que derrubava e varria tudo que
encontrava na sua frente. Quase todos oravam
e clamavam, pedindo misericórdia, e muitos não
podiam ficar em pé. A convicção que cada
um sentiu foi tão grande, que pareciam
ignorar por completo os outros em redor,
mas cada um continuava a orar por
si mesmo".
É difícil reconhecer
a magnitude da obra de Davi Brainerd
entre as diversas tribos de índios, nas
profundezas das florestas; ele não entendia os
seus idiomas. Se lhes transmitia a
mensagem de Deus ao coração, deveria achar
alguém que pudesse servir como intérprete.
Passava dias inteiros simplesmente orando
para que viesse sobre ele o poder
do Espírito Santo com tanto poder, que esse
povo não pudesse resistir à mensagem.
Certa vez teve que pregar por meio
de um intérprete tão bêbado, que quase
não podia ficar em pé, contudo, vintenas
de almas foram convertidas por esse sermão.
Ele andava, às vezes, perdido de noite no ermo,
apanhando chuva e atravessando montanhas e
pântanos. Franzino de corpo, cansava-se nas viagens.
Tinha que suportar o
calor do verão e o intenso
frio do inverno. Dias a fio passava-os
com fome. Já começava a sentir a saúde
abalada e estava a ponto de casar-se
(sua noiva era Jerusa Edwards, filha de
Jônatas Edwards) e estabelecer um lar
entre os índios convertidos ou voltar
e aceitar o pastorado de uma igreja que
o convidava. Contudo, reconhecia que não podia
viver, por causa da sua doença, mais que
um ou dois anos e resolveu então
"arder
até o fim".
Assim, depois de ganhar
a vitória em oração, clamou: "Eis-me aqui, Senhor,
envia-me a mim até os confins da terra;
envia-me aos selvagens do ermo; envia-me para
longe de tudo o que se chama
conforto da terra; envia-me mesmo para a
morte, se for no teu serviço e para
promover o teu reino..."
Então acrescentou: "Adeus
amigos e confortos terrestres, mesmo os mais
anelados de todos. Se o Senhor quiser, gastarei
a minha vida, até os últimos momentos, em
cavernas e covas da terra, se isso servir
para o progresso do Reino de Cristo."
Por fim, depois de
cinco anos de viagens árduas no ermo, de
aflições inumeráveis e de sofrer dores
incessantes no corpo, Davi Brainerd, tuberculoso e
com as forças físicas quase inteiramente
esgotadas, conseguiu chegar à casa de Jônatas
Edwards. O peregrino já completara a sua
carreira terrestre e esperava o carro de
Deus para levá-lo à Glória. Quando, no seu
leito de sofrimento, viu alguém entrar no quarto
com a Bíblia, exclamou: "Oh! o querido Livro! Breve hei
de vê-lo aberto. Os seus mistérios me serão
então desvendados!"
Minguando sua força física e aumentando
sua percepção espiritual, falava com mais e
mais dificuldade: "Fui
feito para a eternidade. Como anelo estar
com Deus e prostrar-me perante Ele! Oh! que
o Redentor pudesse ver o fruto do
trabalho da sua alma e ficar satisfeito! Oh!
vem, Senhor Jesus! Vem depressa! Amém!" - e
dormiu no Senhor .
Depois desse acontecimento, a noiva de Brainerd,
Jerusa Edwards, começou a murchar como uma
flor e, quatro meses depois também foi
morar na cidade celeste. Dum lado do seu túmulo,
está e de Davi Brainerd e do outro
lado está o de seu pai, Jônatas Edwards.
O desejo veemente da
vida de Davi Brainerd era o de arder
como uma chama, por Deus, até o último momento,
como ele mesmo dizia: "Anelo ser uma
chama de fogo, constantemente ardendo no
serviço divino, até o último momento, o
momento de falecer".
Brainerd findou a
sua carreira terrestre aos vinte e nove
anos. Contudo apesar de sua grande fraqueza
física, fez mais que a maioria dos
homens faz em setenta anos.
Sua biografia, escrita por Jônatas Edwards
e revisada por João Wesley, teve mais
influência sobre a vida de A. J.
Gordon do que qualquer outro livro, exceto
a Bíblia. Guilherme Carey leu a história
da sua obra e consagrou a sua
vida ao serviço de Cristo, e nas trevas
da Índia, Roberto McCheyne leu seu
diário e gastou a sua vida entre os
judeus. Henrique Martyn leu a sua
biografia e se entregou para consumir-se
dentro de um período de seis anos e
meio no serviço de seu Mestre, na Pérsia.
O que Davi escreveu a seu irmão,
Israel Brainerd, é para nós um desafio
à obra missionária: "Digo,
agora, morrendo, não teria gasto a minha
vida de outra forma, nem por tudo que
há no mundo".