Jerônimo
Savonarola (1452-1498)
Autoria
Desconhecida
Pr. José
Antônio Corrêa
O povo de toda a Itália afluía, em número
sempre crescente, a Florença. A famosa Duomo não
mais comportava as enormes multidões. O pregador,
Jerônimo Savonarola, abrasado com o fogo do
Espírito Santo e sentindo a iminência do
julgamento de Deus trovejava contra o vício,
o crime e a corrupção desenfreada na
própria Igreja. O povo abandonou a leitura
das publicações torpes e mundanas, para ler
os sermões do ardente pregador: deixou os
cânticos das ruas, para cantar os hinos de
Deus. Em Florença, as crianças fizeram procissões, coletando
as máscaras carnavalescas, os livros obcenos e
todos os objetos supérfluos que
serviam a vaidade. Com isso formaram em
praça pública uma pirâmide de vinte metros
de altura e atearam-lhe fogo. Enquanto o
monte ardia, o povo cantava hinos e os
sinos da cidade dobravam em Sinal de
vitória.
Jerônimo era
terceiro dos sete filhos da família. Nasceu
de pais cultos e mundanos, mas de grande
influência. Seu avô paterno era um famoso
médico na corte do duque de
Ferrara e os pais de Jerônimo planejavam
que o filho ocupasse o lugar do avô.
No colégio, era aluno esmerado. Mas os estudos
da filosofia de Platão e de Aristóteles
deixara-lhe com a alma sequiosa. Foram sem
dúvida os escritos de Tomaz de Aquino
que mais o influenciaram (a não ser as
próprias Escrituras) a entregar inteiramente o
coração e a vida a Deus. Quando ainda
menino, tinha o costume de orar e, ao
crescer, o seu ardor em oração aumentou. A
decadência da igreja, cheia de toda a
qualidade de vícios e pecado, o luxo
e a ostentação dos ricos em contraste
com a profunda pobreza dos pobres, magoavam-lhe
o coração. Passava muito tempo sozinho, nos
campos e a beira do rio Pó, em
contemplação perante Deus, ora cantando, ora chorando,
conforme os sentimentos lhe ardiam no peito.
Quando ainda jovem, Deus começou a falar-lhe
em visões. A oração era sua grande consolação;
os degraus do altar, onde se prostrava
horas a fio, ficavam repetidamente molhados de
suas lágrimas.
Houve um tempo em que Jerônimo
começou a namorar certa moça florentina. Mas
quando ela mostrou ser desprezo alguém de
sua orgulhosa família Strozzi, unir-se a alguém
da família de Savonarola, Jerônimo abandonou para
sempre a ideia de casar-se. Voltou a
orar com crescente ardor. Enojado do mundo,
desapontado acerca de seus próprios anelos,
sem achar uma pessoa compassiva a
quem pudesse pedir conselhos, e cansado de
presenciar injustiças e perversidades que o cercavam,
coisas que não podia remediar, resolveu abraçar
a vida monástica.
Ao apresentar-se no convento, não
pediu o privilégio de se tornar monge, mas
rogou que o aceitassem para fazer os
serviços mais vis, da cozinha, da horta e
do mosteiro.
Na vida do claustro, Savonarola passava
ainda mais tempo em oração, jejum e
contemplação perante Deus. Sobrepujava todos os
outros monges em humildade, sinceridade e obediência,
sendo apontado para lecionar filosofia, posição
que ocupou até sair do convento.
Depois de passar sete anos no
mosteiro de Bolongna, frei (irmão) Jerônimo foi para
o convento de São Marcos, em Florença. Grande foi
o seu desapontamento ao ver que o povo
de florentino era tão depravado como os
dos demais lugares. (Até então ainda não
reconhecia que somente a fé em Deus
salva o pecador).
Ao completar um ano no convento
de São Marcos, foi apontado instrutor dos
noviciados e, por fim, designado pregador do mosteiro.
Apesar de ter ao seu dispor uma
excelente biblioteca, Savonarola utilizava-se cada vez
mais da Bíblia como seu livro de instrução.
Sentia cada vez mais o terror
e a vingança do Dia do Senhor que
se aproxima e, às vezes entregava-se a
trovejar contra do púlpito contra a
impiedade do povo. Eram tão poucos os que
assistiam às suas pregações, que Savonarola
resolveu dedicar-se inteiramente a instrução dos
noviciados. Contudo, como Moisés, não podia escapar a
chamada de Deus!
Certo dia, ao dirigir-se a uma feira, viu,
repentinamente, em visão, os céus abertos e
passando perante os seus olhos todas as
calamidades que sobrevirão a igreja. Então lhe
pareceu uma voz do Céu ordenando-lhe
anunciar estas coisas ao povo.
Convicto de que a visão era do
Senhor, começou novamente a pregar com voz
de trovão. Sob a nova unção do Espírito
Santo a sua condenação ao pecado era
feita com tanto ímpeto, que muitos dos
ouvintes depois andavam atordoados sem falar, nas
ruas. Era coisa comum, durante seus sermões, homens
e mulheres de todas as idades e
de todas as classes romperem em veemente
choro.
O ardor de Savonarola na oração
aumentava dia após dia e sua fé
crescia na mesma proporção. Frequentemente, ao orar,
caía em êxtase. Certa vez, enquanto sentado no
púlpito, sobreveio-lhe uma visão, durante a qual
ficou imóvel por cinco horas, enquanto o
seu rosto brilhava, e os ouvintes na igreja
o contemplavam.
Em toda a parte onde Savonarola
pregava, seus sermões contra o pecado produziam
profundo terror. Os homens mais cultos começaram
então a assistir as pregações em Florença;
foi necessário realizar as reuniões na Duomo,
famosa catedral, onde continuou a pregar durante
oito anos. O povo se levantava a meia-noite
e esperava na rua até a hora de
abrir a catedral.
O corrupto regente de Florença,
Lorenzo Medici, experimentou todas as formas: a
bajulação, as peitas, as ameaças, e os rogos, para
induzir Savonarola a desistir de pregar contra
o pecado, e especialmente contra a perversidade
do regente. Por fim, vendo que tudo era debalde,
contratou o famoso pregador, Frei Mariano, para
pregar contra Savonarola. Frei Mariano pregou um
sermão, mas o povo não prestou atenção a
sua eloquência e astúcia, e ele não ousou
mais pregar.
Nessa altura, Savonarola profetizou que Lorenzo,
o Papa e o rei de Nápoles morreriam
dentro de um ano, e assim sucedeu.
Depois da morte de Lorenzo, Carlos VIII,
da França, invadiu a Itália e a influência
de Savonarola aumentou ainda mais. O povo
abandonou a literatura torpe e mundana para
ler os sermões do famoso pregador. Os
ricos socorriam os pobres em vez de
oprimi-los. Foi neste tempo que o povo fez
a grande fogueira, na "piazza" de Florença
e queimou grande quantidade de artigos
usados para alimentar vícios e vaidade. Não
cabia mais, na grande Duomo, o seu imenso
auditório.
Contudo, o sucesso de Savonarola foi
muito curto. O pregador foi ameaçado, excomungado e,
por fim, no ano de 1498, por ordem do
Papa, foi enforcado e queimado em praça
pública. Com as palavras: “O
Senhor sofreu tanto por mim!”,
terminou a vida de um dos maiores e
mais dedicados mártires de todos os tempos.
Apesar de ele continuar até a
morte a sustentar muitos dos erros da
Igreja Romana, ensinava que todos os que
são realmente crentes estão na verdadeira Igreja.
Alimentava continuamente a alma com a
palavra de Deus. As margens das páginas da
sua Bíblia estão cheias de notas escritas
enquanto meditava nas Escrituras. Conhecia uma grande
parte da Bíblia de cor e podia abrir
o livro instantaneamente e achar qualquer
texto. Passava noites inteiras em orações e
foram-lhe dadas revelações quando em êxtase, ou
por visões. Seus livros sobre "A Humildade",
"A Oração",
"O Amor".
etc.., continuam a exercer grande influência
sobre os homens. Destruíram o corpo desse
precursor da Grande Reforma, mas não puderam apagar
as verdades que Deus, por seu intermédio, gravou
no coração do povo.