SOU UM FETO, TAMBÉM QUERO VIVER!
Pr. José Antônio Corrêa
Sou
um feto. Encontro-me no processo de me transformar num bebê. Durante horas a
fio, mamãe fica me empurrando de um lado para outro, causando-me grande
desconforto. Você por certo, acha que ela deveria saber que está me machucando
e evitar essa movimentação.
Estou
envolvido por um líquido protetor, o qual impede que eu sofra lesões mais
sérias quando mamãe me atinge com seus empurrões. Costumo beber esse líquido
quando sinto sede. Algumas vezes, percebi que tinha uma consistência diferente
e me fazia sentir uma espécie de excitação seguida de entorpecimento. Não podia
sentir meu sangue correndo através de todos os vasos. Parecia-me que alguns
estavam entupidos. Mas espere um pouco! Acabo de ouvir alguém falando a
respeito de alguma coisa chamada álcool. Deixe-me ouvir melhor.
Estão
dizendo que essa substância líquida tem cheiro de álcool. Isso não me faz muito
sentido, pois não sei o que é álcool, embora já tenha ouvido falar dele antes.
Uma dia desses, mamãe foi ao consultório médico e o doutor explicou-lhe que o
álcool é uma droga. Disse ainda que se ela não parasse de usar bebidas
alcoólicas, poderia ter um aborto ou coisa parecida. Explicou que em
conseqüência da bebida, eu poderia nascer com alguns defeitos, e que eu não
seria um bebê normal.
Ela,
porém, continuou a me fazer beber aquele líquido que estava me fazendo ficar
doente. Não quero ser diferente dos outros bebês.
Ultimamente,
estou me sentindo um tanto agitado. O problema é que não consigo fazer todos os
movimentos que deveriam corresponder ao meu desenvolvimento normal. Percebo que
alguma coisa não está bem. Acho que isso tem a ver com algumas das primeiras
coisas que posso me lembrar. Eu estava ocupado na tarefa de acrescentar novas partes
ao meu corpo, quando mamãe bebeu grande quantidade de álcool. Depois disso, eu
não pude completar a tarefa tão bem quanto antes. Nem mesmo cheguei a terminar
o trabalho. Tive de passar para outra fase.
Por
causa desse líquido que mamãe me fez beber, não pude formar todas as partes do
meu corpo tal como os outros bebês: Meu rostinho está achatado entre os olhos e
meus olhos quase não se abrem; tenho visão dupla, porque sou vesgo; minhas
pernas não possuem a curvatura correta e eu sou magro e pequeno. Minha cabeça
também é pequenina.
Enquanto
eu estava tentando fabricar as células do cérebro, mamãe continuava a beber
álcool. Eu procurava fazer rapidamente meu trabalho, confeccionando muitas
células cerebrais, mas o álcool destruiria parte do meu esforço. Agora, tenho
pouca capacidade de raciocínio.;
Ouvi
o médico dizer que o álcool é a terceira maior causa de retardamento mental, e
eu provavelmente serei um retardado, um idiota. Ele me explicou também que o
Instituto Nacional de Saúde fez um estudo envolvendo 350 crianças de sete anos
de idade, e descobriu que 46% dos que nasceram de mães alcoólatras tinham um
índice de QI abaixo de 79. Verdadeiros retardados mentais.
Há
um cordão que sai de minha barriga chamado cordão umbilical que me prende a um
tecido interno na barriga da mamãe, a placenta. Ele serve para conduzir a mim
todos os alimentos. Aparentemente, o álcool atinge meu organismo através da
placenta e do cordão umbilical.
O
médico contou à mamãe que por causa do meu tamanho em comparação ao dela, havia
dez vezes mais álcool circulando em meu sangue. Se ela, por exemplo, estivesse
com uma porcentagem de 0, 045% de álcool no sangue, eu teria 0,45%. Mamãe são
sabia bem o que isso significava, por isso, o doutor resolveu explicar melhor.
Se
mamãe tivesse 0,045% de álcool no sangue, isso significaria para ela uma leve
intoxicação. Entretanto, mesmo pesando 63 quilos, se o seu sangue contivesse
0,45% de álcool (dez vezes mais) ela entraria em coma. Ele lhe perguntou quanto
ela achava que eu devia estar pesando. Uns dois quilos, foi sua resposta. Então
o médico procurou mostrar-lhe o quanto esta porcentagem de álcool poderia
prejudicar meu corpinho.
O
papai também falou á mamãe acerca de uma mulher chamada Christy Ulleland. Ela
fez um estudo em bebês de mães alcoólatras e concluiu que todos eles tinham
defeitos semelhantes. Eram menores e pesavam menos que os demais bebês. A esse
problema ela denominou Fetal Alcohol Syndrome (Síndrome Fetal do Alcoolismo).
Papai
explicou outras diferenças entre os bebês normais e os demais atingidos pela
síndrome do alcoolismo. Uma criança subnutrida, por exemplo, atinge o tamanho
de uma outra saudável por volta dos quatro anos de idade, enquanto um bebê
filho de mãe alcoólatra, atingido pela SFA, alcança apenas dois terços da média
normal; seu peso fica situado em torno de 50% da média e sua estatura será
menor por toda a vida. Ora, eu não quero ser uma criança menor que as outras.
Mamãe
é uma dessas pessoas que são chamadas alcoólatras crônicas. Isso significa que
ela necessita de doses maiores para demonstrar os efeitos aparentes do álcool.
Não quero dizer, porém, que por essa razão ela é menos afetada. Seu corpo já
está habituado ao consumo do álcool, o que retarda os efeitos visíveis da
embriaguez.
O
papai explicou a ela que um outro estudo, feito há poucos anos, revelou que 63%
dos bebês de mães alcoólatras nascem com problemas cerebrais. Muitas mães
estabelecem estritos cuidados para com os bebês, mas ignoram as áreas de maior
influência a sobre nosso crescimento. Usando bebidas alcoólicas,
conscientemente, mamãe está prejudicando meu desenvolvimento normal. Será que
ela não se importa comigo?
Quantas
vezes papai insistiu em que ela parasse de beber, especialmente agora? Tentou
dizer-lhe que não só o médico e ele é que conheciam o valor de uma mãe que não
bebe durante a gravidez. Frisou que muitos anos atrás, em 1934, o povo da
Inglaterra tinha consciência de que as mães que bebiam álcool durante a
gravidez davam à luz bebês raquíticos, mal formados e de aparência doentia.
Na
antiga Grécia, mães e pais eram proibidos de usar bebidas alcoólicas durante a
lua-de-mel, para que nenhum bebê fosse concebido nesse período sob a influência
do álcool.
Certa
noite, o papai citou um trecho da Bíblia para mamãe. O texto relatava que um
anjo foi encarregado de instruir a mãe de Sansão para que não bebesse vinho ou
bebida forte durante a gravidez.
Como
eu gostaria que mamãe tivesse dado ouvidos a todas essas coisas que lhe foram
ditas. Não é somente a ela que o álcool afeta, mas principalmente a mim. Aqui
estou, tentando me tornar um feto bem desenvolvido, mas a bebida me atrapalha.
Mamãe
está agora me empurrando com mais força. Sinto meu corpo esticado. Posso ver um
raio de luz brilhando em direção ao meu rosto.
Estou
nascendo! Cheguei ao mundo exterior! O médico e as enfermeiras olham para mim.
Estão dizendo que pareço muito agitado e nervoso. O médico explica ao papai que
isso é por causa das bebidas alcoólicas que mamãe bebeu durante a gravidez. O
meu sistema nervoso central tornou-se dependente do álcool. Meu desenvolvimento
também foi retardado.
Agora
estão me levando para junto da mamãe para que ele me veja. O médico me coloca
nos braços dela, mas ela me empurra e vira o rosto para o outro lado. E começa
a chorar. Eu não compreendo. Não sou culpado pela minha aparência. Você é que
me tornou assim, mamãe. Abrace-me!
Bibliografia:
Yingling,
Amy, "Revista Decisão", Casa Publicadora Brasileira, São Paulo, Março
de 1993.