SOFRIMENTO É COISA HUMANA

Por Ariovaldo Ramos

 

Pr. José Antônio Corrêa

 

Extraído da revista "Liderança", da editora Sepal, São Paulo/SP, págs. 4-5.

 

Perguntaram a Robert de Niro, num programa se TV: "Se o céu existe, o que você gostaria que Deus lhe dissesse quando chegasse lá?". Resposta: "Se o céu existe, Deus terá muito o que explicar!".

Como muitas pessoas, inclusive cristãs, ele estava indisposto com Deus por causa do sofrimento.

Qual a gênese do sofrimento?

"E a Adão disse: visto que atendeste a voz de tua mulher e comeste da árvore que eu te ordenara não comesses, maldita é a terra por tua causa; em fadigas obterás dela o sustento durante os dias de tua vida" (Gn 3.17).

O sofrimento é resultado da desobediência do primeiro pai. Sofrimento é coisa humana. O ato da humanidade teve implicação cósmica. Toda a criação foi imersa num ambiente de sofrimento. O ser humano tornou-se frágil, propenso a enfermidades e o ambiente tornou-se perigoso, depósito de vírus e demais anomalias que podem ser fatais à existência humana e demais criaturas. Portanto, após a queda, viver é sofrer de alguma maneira. Toda a criação sofre. Mesmo os que não têm motivo para se queixar sofrem de algum jeito.

O sofrimento tornou-se parte da condição humana.

"Porque semeiam ventos e segarão tormentas" (Os 8.7).

O sofrimento é coisa humana porque, na esmagadora maioria das vezes, é fruto da decisão humana. Alguém decide mal e sofre e deflagra conseqüências.

Certa feita, no verão, época em que, em São Paulo, chove muito. Houve uma tragédia na cidade. Grande parte de uma favela foi soterrada pelo deslocamento de terra. No dia seguinte, tomei um táxi. O motorista perguntou-me sobre a tragédia, inquirindo porque Deus permitia aquilo. Respondi-lhe que Deus nada tinha a ver com o fato em questão. Ele concordou que, sabendo como sabemos do poder da chuva morro abaixo, é um crime, explicável só pela ganância, construirmos cidades e economias, de tal maneira que obrigam seres humanos a viver de forma tal que suas vidas estejam sempre expostas a perigo iminente. Todos sabíamos que isso poderia acontecer a qualquer momento e ninguém fez nada. A tragédia foi o custo de nossas escolhas, de nossa maneira de construir cidades, do tipo de modelo econômico que privilegiamos.

 

"Toda a criação sofre. Até mesmo

os que não têm

motivo para

se queixar"

 

            Deus mantém o planeta funcionando, como disse a Noé: "Enquanto durar a terra, não deixará de haver sementeira e ceifa, frio e calor, verão e inverno, dia e noite" (Gn 8.22). Cabe a nós saber o que vamos fazer com isso. "Todos se extraviaram, a uma se fizeram inúteis; não há quem faça o bem, não há nem um sequer" (Rm 3. 12).

O sofrimento é coisa humana porque o homem se tornou mau. Ao comer da árvore da Morte (a árvore do conhecimento do bem e do mal), a raça humana definiu que a marca de sua natureza seria a maldade. O homem tornou-se lobo do próprio homem. Toda a produção humana está, assim, por mais bem intencionada que seja, marcada pela maldade; seja o sistema político, o social, o cultural ou o econômico. Isso só não é pior porque há a ação da graça divina que ameniza os efeitos da queda na humanidade, o que torna a vida possível.

"Pois nós não estamos lutando contra seres humanos, mas contra as forças espirituais do mal que vivem nas alturas, isto é, os governos, as autoridades e os poderes que dominam completamente este mundo de escuridão" (Ef 6. 12).

O sofrimento é coisa humana porque, ao romper com Deus, a humanidade se colocou sob a opressão dos seres malignos que nos atraíram para a sua rebelião e que, por isso, passaram a controlar, por meio do domínio sobre os seres humanos (o que, também, é relativizado por ação da graça) o sistema econômico político-cultural e social, impingindo ainda maior sofrimento.

 

A COMUNIDADE PODE E DEVE INTERFERIR

 

"Ame os outros como você ama a você mesmo" (Mt 22.39).

A grande maioria do sofrimento humano seria resolvida pela própria sociedade se nos amássemos, como Cristo nos ordenou. Grande parte do sofrimento é resultado da ausência de solidariedade. A simplicidade e a profundidade desse ensino de Jesus está numa outra frase sua: "Façam aos outros a mesma coisa que querem que eles façam a vocês" (Lc 6.31). É a idéia de colocar-se no lugar do outro e tratá-lo como gostaria de ser tratado naquela situação. A simples prática desse mandamento solucionaria grande parte do sofrimento do mundo, seja fisiológico, político, econômico ou social. Erradicaríamos a pobreza com suas conseqüências e as injustiças de toda a ordem. Uma das tarefas da Igreja é viver essa solidariedade dentro e fora da comunidade da fé e, por meio dela, levar a sociedade a glorificar a Deus. "Assim brilhe também a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai que está nos céus" (Mt 5.16).

 

ELE VAI TER FIM

 

"E lhes enxugará dos olhos toda lágrima, e a morte já não existira, já não haverá luto, nem pranto, nem dor, porque as primeiras coisas passaram" (Ap 2 1.4).

Jesus veio para vencer a morte e, com ela, todo o sofrimento inerente. É promessa escatológica. É preciso compreender que está se desenrolando a história da salvação e tudo acontecerá a seu tempo. Agora é o tempo da colheita quando, em meio ao sofrimento, saímos chorando enquanto semeamos (Sl 126.6).

 

ELE É USADO POR DEUS

 

"Sabemos que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito" (Rm 8.28)

Deus está administrando tudo que nos acontece para que o produto final seja o nosso bem. De modo que tudo o que passamos, de alguma maneira, nos abençoa.

"Eu te conhecia só de ou vir, mas agora os meus olhos te vêem" (Jó 42.5)

Mas, às vezes, o sofrimento é necessário. A prioridade de Deus é aperfeiçoar-nos. Isso pode, como no caso de Jó, custar sofrimento.

 

ELE É ANTERIOR À EXISTÊNCIA

 

"Sabendo que não foi mediante coisas corruptíveis, como prata ou ouro, que fostes resgatados do vosso fútil procedimento que vossos pais vos legaram, mas pelo precioso sangue, como o de cordeiro sem defeito e sem mácula, o sangue de Cristo, conhecido, com efeito, antes da fundação do mundo" (1 Pe 1.18-20).

Uma vez que o sangue de Cristo, preço pago pelo nosso resgate, é conhecido desde antes da fundação do mundo, logo, a dor e o sofrimento também o são. Imaginemos uma reunião da Trindade: o Pai apresenta o ano da criação; o Espírito chama a atenção para o fato de que não vale a pena criar quem vai se perder, pois isso os lançaria à inexistência, uma vez que, romper com Deus, que tudo sustenta, é saltar para o nada; o Pai afirma que haveria a saída de responsabilizar-se pelos homens; o Espírito levanta a questão de que tal decisão implicaria um deles ter de abandonar a Glória, humilhar-se à condição desses seres caídos, triunfar onde eles fracassariam e, voluntariamente, entregar-se à morte no lugar deles. O Filho, que participava da conversa, disse que iria. E a Trindade, com o mesmo poder com que diria "haja luz!", disse: "Haja Cruz!". E o Deus Filho se fez o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo e, com os demais membros da Trindade sentiu a dor do sacrifício, do sofrimento que a humanidade, antes de existir, impôs a Deus. Se a Trindade não tivesse, em primeiro lugar, dito "haja cruz!", não valeria a pena dizer "haja luz!".

Paulo explica que consolamos com a consolação que recebemos a partir de nossos sofrimentos. Logo, quem não sofreu não pode consolar. Por isso é que Pai, Filho e Espírito Santo — o Deus Trino — são o Deus de toda a consolação (Rm 15.5). A Trindade sofreu primeiro e sofre até agora (Cl 1.24). Como disse o poeta Catulo, da Paixão Cearense: "Quem quiser conhecer o amor tem de conhecer a dor de Deus".

"É ele que nos conforta em toda a nossa tribulação, para podermos consolar os que estiverem em qualquer angústia, com a consolação com que nós mesmos somos contemplados por Deus" (2 Co 1.4).

 

LIDANDO COM O SOFRIMENTO

 

COMPREENDA:

 

1. O sofrimento é um problema nosso. Nós o impusemos ao universo.

2. Todo mundo sofre. Isso é parte da condição humana. Uns mais outros menos – e isso é como uma roleta russa: pode pegar qualquer um qualquer tempo. Ninguém é predestinado para sofrer mais ou menos. Os cristãos não estão imunes ao sofrimento.

3. é possível diminuir em muito o sofrimento humano. É questão de solidariedade. Ame o próximo, faça a sua parte. Como Deus, reaja a todo tipo de sofrimento. Estimule outros a fazer o mesmo.

4. É possível evitar muito sofrimento. Tome as decisões certas. Siga os conselhos da Bíblia.

5. Deus também sofre. Ele pode consolar você. Abra o coração para ele.

6. Mesmo em meio ao sofrimento, seja grato a Deus. Ele está administrando tudo que nos ocorre para o nosso bem (Rm 8.28).

7. Para superar o sofrimento e deixar de ser um agente dele, é preciso renunciar ao mal, o que acontece à medida que nos curvarmos ao Espírito Santo.

8. Aprenda com o sofrimento. Torne-se consolador a partir da consolação que receber.

9. Peça ajuda a Deus e aos irmãos, seja em oração, ajuda específica ou profissional. Mas, reaja ao sofrimento.

10. A vitória do ser humano não é não sofrer, mas não ser derrotado pelo sofrimento.

O líder, acima de tudo, tem de saber conduzir o seu povo pelo sofrimento.