JESUS E AS TRAGÉDIAS HUMANAS
Extraído da Revista Ultimato, ano
XXXV, nº 274, Jan/Fev 2002, Editora Ultimato
Por Valdeci Santos
Pr. José Antônio Corrêa
Desde
o inicio da história humana, a existência da dor e do mal no mundo tem sido
interpretada como um problema. Para muitos, há uma contradição entre a
existência das variadas formas de sofrimento e a existência de um Deus amoroso
e poderoso. Muitos agnósticos concluem que ou Deus não é bom ou Ele não tem
poder para eliminar sofrimento do mundo. O cristão, porém, tem sua convicção
firmada nas Escrituras, que asseguram não apenas a existência de Deus, sua
bondade e seu poder, mas também sua ativa participação no universo, levando a
cabo o conselho sábio de sua vontade (Ef 1.11).
O
texto de Lucas 13.1-9 é uma peculiaridade do terceiro Evangelho e, como o
restante do livro, fruto de acurada investigação (Lc 1.3). Descreve a posição
de Jesus quanto a algumas calamidades ocorridas no contexto de seu ministério
terreno. Uma dessas calamidades teve origem em um agente humano (v. 1); a
outra, nas chamadas causas naturais ignoradas (v. 4). Todavia, Jesus não
concentra sua atenção nas calamidades, mas na condição espiritual dos
presentes.
Sua
resposta àqueles que o abordaram foi, ao mesmo tempo, decepcionante e
reveladora. Decepcionante porque Jesus não fez a conexão intencionada pelos
informantes. Eles se aproximaram de Jesus com relatos de eventos externos Ele
os fez olhar internamente. Demonstraram uma curiosidade teológica urgente e
Jesus apontou para algo que era teologicamente mais importante, ou seja. a
condição espiritual de cada um.
Foi-lhe
apresentado um problema e Ele tratou de pessoas. A resposta de Jesus foi também
reveladora porque demonstrou sua perspectiva quanto ao verdadeiro problema do
ser humano. Segundo o Senhor, há uma calamidade maior do que qualquer
catástrofe que possa acometer o ser humano neste mundo. Velamos seus argumentos
básicos.
Por mais terrível que seja, uma
tragédia não implica, a priori, uma culpa específica
Aquele
grupo de pessoas veio a Jesus e relatou como Pilatos havia ordenado a morte de
alguns religiosos galileus e misturado o sangue deles ao sacrifício que
ofereciam. Isso equivaleria à invasão de um templo evangélico por um grupo de
criminosos que assassinassem os adoradores e misturassem o sangue deles ao
vinho da Ceia do Senhor. Algo terrível só de imaginar.
A
pressuposição daquele grupo parece ter sido a de que as vítimas daquela
tragédia teriam cometido um pecado extraordinário. A mesma conjectura que
embasou as argumentações dos amigos de Jó (Jó 15). Jesus, porém, respondeu:
"Se não vos arrependerdes, todos igualmente perecereis" (v 3, 5).
Jesus estava dizendo: "A culpa de cada um de vocês é tão
extraordinária como a daqueles que foram mortos por ordem de Pilatos.
Jesus
estava ensinando quatro princípios cardeais. Primeiro, que todos são pecadores
(Rm 3.23). Segundo, que não há ser humano que seja, por si mesmo, inocente,
pois todos fomos concebidos em pecado (Sl 51.5). Terceiro, que o que deveria
maravilhar-nos não é o fato de alguns serem acometidos por calamidades, mas,
sim, o fato de tantos serem poupados. Aliás, parece ser este o cerne da
mensagem do evangelho no que diz respeito à nossa pecaminosidade (cf. Lc
18.26-27: Rm 3.9-20). Finalmente, que algumas catástrofes ou infelicidades
acontecem para que a glória de Deus seja manifestada a todos (Jo 9.1-3).
O aspecto surpreendente da tragédia
deveria despertar-nos para a repentina destruição vindoura dos impenitentes
Jesus
disse: "Se não vos arrependerdes, todos igualmente perecereis".
Ele não estava se referindo à forma de morte, pois, enquanto o verso 1 cita
alguns que morreram durante um ato de culto, o verso 4 menciona outros sobre os
quais uma torre desabou. Da mesma forma, Jesus não se referia ao local da
morte, pois o texto menciona dois locais distintos, Tampouco se referia apenas
à morte física, pois Ele deixa claro que apenas aqueles que não se arrependerem
serão acometidos de tal mal (v. 3, 5),
As
vítimas das tragédias descritas nesse texto certamente sabiam que morreriam um
dia. O que não sabiam, porém, era quando nem como morreriam. Se soubessem que
morreriam naquele ato de adoração ou soterradas debaixo daquela torre,
seguramente não teriam saído de casa naquele dia, Sua destruição as tomou de
surpresa.
Apenas
o arrependimento nos prepara para o encontro com a morte e, logo após, com
Deus. Ainda que a graça de Deus seja eterna, nossas vidas não o são e a
condenação do homem sem Deus virá surpreendentemente (Lc 17.26-30).
Por mais terrível que seja a morte física, há ainda
um destino pior para aqueles que não se arrependem
A
morte é um fenômeno tão temível que Jó a ela se refere como "o rei dos
terrores" (Jó 18.14), como a porta da "região tenebrosa" (Jó
38.17). Há também a convicção de que a morte é a "casa destinada a todo
vivente" (Jó 31.23).
Jesus
menciona algo pior que a morte, quando diz: "Se não vos arrependerdes,
todos igualmente perecereis". Em certo sentido, a palavra
"perecimento" é sinônimo de morte física (Jó 31.19: Ez 32.13).
Mas
o fato de, nesse texto, Jesus ter conectado "perecereis" à condição
de pecado e dito que isso acontecerá apenas com aqueles que não se arrependerem
leva-nos a concluir que Ele se referia a algo mais que apenas a morte física.
Uma
observação de outros textos do Novo Testamento nos mostra que o termo
perecimento é usado como antônimo de vida eterna, algo com alcance para além do
túmulo (cf. Mt 10.28; Jo 3.16; 10.28; Tg 4.12).
Ao
contrário do que muitos pensam, este assunto não é mais um tema religioso
irrelevante. E tão prático quanto as informações sobre a AIDS ou a bactéria
Antraz. Pecado é sempre mais perigoso que qualquer risco à nossa saúde física.
O máximo que uma enfermidade física, uma bactéria ou um vírus podem fazer é
levar nosso corpo ao túmulo. O pecado traz a condenação eterna sobre aqueles
que não se arrependem.
O horror das tragédias humanas deveria nos conduzir
ao arrependimento
O
arrependimento é a única porta de livramento da condenação vindoura: "Se
não vos arrependerdes, todos igualmente perecereis". Mas o que é
arrependimento? Biblicamente falando, significa "retomar ao Senhor"
(2 Cr 7.14; Is 1.9). No grego, arrependimento significa "mudança de
mente" e descreve uma mudança radical na disposição de uma pessoa. Diz
respeito ao julgamento que ela faz de si mesma, do seu pecado e da graça de
Deus a ela oferecida. Assim, arrependimento é algo que ocorre no coração e
envolve a pessoa como um todo em seu retorno ao Senhor. Envolve não apenas
tristeza pelos atos cometidos (remorso), mas uma firme resolução de abandonar o
pecado e voltar-se para Deus.
Lucas traz três importantes ilustrações sobre o arrependimento. A primeira está
na condenação de Jesus às cidades impenitentes (10.13); a segunda, na
referência aos ninivitas (11.32); e a terceira, na parábola do rico e o mendigo
(16.29-31). Estes exemplos nos levam à conclusão de que o arrependimento
envolve: 1) genuína tristeza pelos pecados do passado e pelas tendências pecaminosas
no presente - pano de saco e cinza; 2) fé na palavra proclamada e retorno dos
maus caminhos - os ninivitas; 3) persuasão pelas Escrituras quanto aos perigos
da impiedade e compromisso em atender os mandamentos do Senhor - a parábola.
Assim, fé e arrependimento andam juntos e os efeitos do arrependimento
acompanham toda a nova vida do penitente.
Depois de elucidar esses incidentes, Jesus contou a parábola da figueira
estéril isoladamente, é de difícil entendimento mas, quando considerada com o
tratamento dado por Jesus às tragédias, ela mostra que Ele está ampliando seus
ensinamentos. indicando que vivemos no tempo da longanimidade de Deus. Essa
parábola enfatiza a verdade de que nossa presente existência é fruto da
paciência de Deus para conosco, enquanto aguarda o nosso arrependimento (vv. 8.
9). Pedro confirma: "Não retarda o Senhor a sua promessa, como alguns a
julgam demorada; pelo contrário, ele é longânimo para convosco, não querendo
que nenhum pereça, senão que todos cheguem ao arrependimento" (2 Pe
3.9).
O que o Senhor diria sobre as tragédias humanas? Que, por mais tristes e
angustiantes que sejam, o principal efeito delas em nossas vidas não deveria
ser o de despertar curiosidade nem o de efetivarmos conexões não autorizadas
sobre a pecaminosidade das vítimas, mas darmos atenção à nossa condição
espiritual e à condenação vindoura sobre a nossa impenitência.
Valdeci Santos, ministro
presbiteriano, é mestre em teologia sistemática e doutor em estudos
interculturais.