UM VILÃO CHAMADO ABSALÃO

2Samuel 18.4-18

por João Soares da Fonseca

 

Pr. José Antônio Corrêa

 

É triste examinar a vida de uma pessoa e constatar que, mesmo possuindo tantos talentos, e tendo diante de si imensas possibilidades, ela ainda assim foi um fracasso. Assim é a vida de Absalão, que trago nesta manhã à consideração dos meus ouvintes. Para facilitar compreensão do assunto, vamos dividi-lo em duas partes. Algo como virtudes e defeitos:

 

VIRTUDES:

 

Em primeiro lugar, Absalão não era qualquer um. Ele era filho do rei. Portanto, era um príncipe. E como príncipe, teve acesso a uma educação que outros jovens do seu tempo não tiveram. O filho do rei podia estudar o dia todo se quisesse, não tendo que trabalhar de dia e estudar de noite, como acontece hoje no Brasil. Absalão poderia ter aprendido vários idiomas, estudado filosofias diferentes, política, artes, poderia ter viajado e conhecido outras terras, hábitos, culturas. Ou seja: Ele teve uma chance rara na vida. Literalmente nasceu "em berço esplêndido".

Acrescente-se o fato de que ele não era filho de um rei qualquer, mas do famoso rei Davi. Até hoje Davi é um herói do povo judeu, por suas múltiplas capacidades como músico de primeira, poeta inspirado, ator genial, pastor corajoso, guerreiro estrategista, político habilidoso, sábio governante e principalmente, "amigo de Deus". Esse homem, com todas essas invejáveis qualidades, era o pai de Absalão.

Como príncipe, Absalão tinha a melhor comida do país. Não havia mesa mais farta que a do rei. Ele foi criado com as melhores vitaminas da medicina do seu tempo. A melhor caça era a consumida no palácio.

A nobreza de Absalão é interessante porque além de seu pai ser rei, Absalão era filho de uma princesa, "Maacá, filha de Talmai, rei de Gesur" (2Sm 3.3), "na Síria" (2Sm 15.8).

Em segundo lugar, a Bíblia diz que ele era muito bonito: "Não havia em todo o Israel homem tão admirável pela sua beleza como Absalão; desde a planta do pé até o alto da cabeça não havia nele defeito algum" (2Sm 14.25). Ele era um monumento vivo à beleza. Era o que os gregos chamariam de "adônis", um deus belo e atlético, de formas retilíneas e perfeitas, espadaúdo, de largos ombros, alto, exibindo vastíssima cabeleira; sem dúvida o tipo de príncipe com o qual toda moça, principalmente adolescente, vive sonhando.

Mas será que oportunidade, boa aparência e sangue azul são ingredientes capazes de tornar a vida de um homem realmente feliz? Aproximemo-nos ainda mais da experiência de Absalão:

 

DEFEITOS:

 

1. NEGLIGENTE

 

O primeiro e grave sintoma de que há algo errado com esse moço é que ele desperdiça as oportunidades que o berço de ouro lhe proporciona. Ele não gostava de estudar, não prestava atenção nas matérias novas, não fazia o dever de casa, matava aulas, brigava com os colegas, detestava os professores, odiava os livros, ridicularizava os museus e as bibliotecas.

 

2. VAIDOSO

 

Era bonitão demais para as feiosas de Israel. Ele não podia ver um espelho; era um espelho maníaco. Como Narciso, da mitologia greco-romana. Narciso "era um jovem de extraordinária beleza; o adivinho Tirésias havia predito que viveria enquanto não se visse... Voltando um dia da caça, Narciso inclinou-se para beber água numa clara fonte, onde pela primeira vez, viu seu semblante. Apaixonou-se por si mesmo. Desesperado por não poder se reunir ao objeto da sua paixão, cai, extenuado, ao lado da fonte, e ali desfalece" (Dicionário de Mitologia Greco-latina, Tassilo Spalding, p. 178).

Devemos cuidar de nossa aparência, mas não deixar que esse cuidado seja a principal ocupação, ou antes preocupação, de nossas vidas.

Registra 2Sm 18.18: "Ora, Absalão, quando ainda vivia, tinha feito levantar para si a coluna que está no vale do rei; pois dizia: Nenhum filho tenho para conservar a memória do meu nome. E deu o seu próprio nome àquela coluna, a qual até o dia de hoje se chama O Pilar de Absalão". Ele não queria ser um "morto na vala comum", como diria Machado de Assis. Por isso construiu esse Pilar, um monumento de cerca de 15 metros de altura que ainda hoje pode ser visto no Vale do Cedron, em Jerusalém. Zev Vilnay, em Guia de Israel, diz que "os peregrinos, durante a Idade Média, acostumavam apedrejar o monumento como protesto a Absalão, por se ter rebelado contra o rei Davi. Os habitantes de Jerusalém traziam seus filhos desobedientes a esse lugar; e açoitando-os, diziam: 'Vejam como é que acaba um filho rebelde'" (p. 147).

É curioso ver como alguém quer ser lembrado no futuro e não cuida do presente! A memória do nosso nome não deve ser vinculada a um edifício de 20 andares, mas à grandeza de nosso caráter. Quando em 1990 li Quincas Borba, de Machado de Assis, fiquei tão deslumbrado com a destreza de nosso maior escritor, que fui ao Cosme Velho ver aqueles lugares que ele descrevia. Sabia haver nas Laranjeiras uma casa que fora dele. Mas... que decepção! Depois de muito perguntar, acabei descobrindo um prédio com um plaquinha dizendo algo como "Neste lugar havia uma casa em que morou Machado de Assis". Ou seja, se a memória dele dependesse de um monumento físico, ela simplesmente não existiria.

Jovem, você quer deixar uma marca positiva na história? Quer ser famoso? Então procure construir algo que os tratores não consigam demolir. Invista na sua mente, na sua alma, na sua sensibilidade, na sua cultura, na sua fé.

 

3. F A L S O

 

Nada mais asqueroso que a falsidade. Em 2Sm 13.23-29, lemos o triste relato que revela toda a maldade do coração do moço bonito por fora, mas podre por dentro. (Ler o texto).

Como Dalila para com Sansão, e como Judas para com Cristo, Absalão tinha um coração cheio de veneno, embora parecesse risonho. Era um demônio disfarçado de anjo, um lobo travestido de ovelha, um monstro que finge ser médico.

 

4. REBELDE

 

4.1. Rebelde contra a justiça.

Ele se torna um fratricida: Matou seu irmão, de acordo com 2Sm 13.23. Está certo que seu irmão Amnon também não fosse nenhum modelo de virtudes. Amnon estuprara a própria irmã Tamar. Mas será que o erro de Amnon justifica o de Absalão? Está certo que os meninos de rua não são lá "anjinhos delicados", mas isso não é razão para matá-los.

Absalão quer vingança. Seu lema é fazer justiça com as próprias mãos. Não é assim que se constrói uma sociedade civilizada. A lei e a ordem precisam ser respeitadas.

4.2. Rebelde contra o calendário de Deus.

A segunda referência aos seus defeitos é que, rebelando-se contra o governo do pai, declarou-lhe guerra. Por quê? Porque o pai era feio? Porque o pai não lhe dava uma mesada suficiente? Porque o pai era severo demais para com ele? Não! A razão é a sua ambição sem limites. Absalão, sendo príncipe, queria ser o rei imediatamente.

O primogênito de Davi era Amnon (2Sm 3.3), mas já estava morto. Aliás morto por Absalão, como já vimos. O segundo filho era Quileabe, do qual nada sabemos. E o 3º filho era Absalão, herdeiro do trono. Mas para ser rei, era preciso esperar o pai morrer. Esperar o pai morrer? Quem, Absalão? Nunca, jamais! Ele sofria de pacientite. Por isso começou a agir. Primeiro, por um processo sutil mas ainda assim traiçoeiro (Ver 2Sm 15.1-6). A Bíblia resume esse processo dizendo que "desse modo Absalão furtava o coração dos homens de Israel" (v. 6).

A segunda parte do seu golpe era ostensivo e aberto. Ele partiu para a guerra contra o pai.

A falta de paciência em Absalão é um mal crônico. Quando voltou do exílio, queria a qualquer custo ser recebido pelo rei. Quis marcar uma entrevista com Joabe, mas Joabe não o quis receber. Para obter a atenção de Joabe, Absalão mandou que seus servos incendiassem as plantações de Joabe, que não teve outra alternativa senão receber o moço voluntarioso (2Sm 14.29-33).

Será que nós também agimos assim? Queremos que todos se curvem ante os nossos caprichos? Queremos que as coisas aconteçam como planejamos? No tempo que nós desejamos? É bom desenvolvermos a virtude da paciência. O primeiro passo seria pedi-la a Deus.

Para evitar o confronto, o rei Davi reúne a corte e sai para o deserto, em retirada considerada estratégica. Absalão entra no palácio. E para provar que não está brincando, violenta as concubinas de seu pai (2Sm 16.22), num episódio tristíssimo, que só nos faz pensar no quanto de cinismo e desrespeito esse jovem era capaz.

Ele que já era fratricida, agora deseja se tornar algo ainda pior: um parricida (aquele que mata o próprio pai). Chamo a atenção para uma curiosidade etimológica. O nome Absalão, em hebraico, significa "o pai da paz". Mas veja que o pai da paz declara guerra ao próprio pai, que foge. Especula-se que talvez o Salmo 3 tenha sido escrito por Davi enquanto fugia do confronto.

Cuidado com as suas ambições. Não deixe que elas afastem você da presença de Deus. Peça ao Espírito de Deus que purifique cada uma delas. Lembre-se de que para crescer na vida você não precisa eliminar o seu pai, ou destruir a autoridade que Deus colocou sobre você.

 

5. MENTIROSO

 

2Sm 15.7-10. "Servir ao Sr". Quem? Absalão?

 

6. DIVISOR DO POVO DE DEUS

 

Com suas ambições carnais, com suas estratégias maquiavélicas, com sua impaciência de criança mimada, Absalão trouxe divisões no meio de Israel. A guerra movida contra o pai provocou a morte de "vinte mil homens" (2Sm 18.7). Por causa de Absalão, muitos filhos ficaram sem pai, muitas mulheres perderam seus maridos, muitas noivas se tornaram viúvas antes mesmo do casamento.

Este é o resultado de uma vida vivida para o pecado. Que tinha tudo para dar certo, mas terminou num "grande montão de pedras" (2Sm 18.17).